segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O MEMORANDO DE DEUS

Vejo que choras.


Teu choro atravessa a escuridão, infiltra-se pelas nuvens, mistura-se com a luz das estrelas e chega
ao meu coração, na trilha de um raio de Sol.


Angustiei-me pelo grito de uma lebre estrangulada no laço de uma armadilha, um pardal
caído do ninho materno, uma criança que se batia indefesa num lago, um filho que
derramava seu sangue na cruz.


Sabes que te escuto. Fica em paz. Acalma-te.
Eu trago o alívio para o teu pesar, pois sei qual é a causa...e a cura.
Choras por todos os teus sonhos de infância, que desapareceram com os anos.
Choras por todo o teu amor próprio, que foi corroído pelo fracasso.
Choras por todo o teu potencial, que foi barganhado por segurança.
Choras por toda a tua individualidade, que foi pisoteada pelas multidões.
Choras por todo o teu talento, que foi desperdiçado pelo uso errado.
Encaras a ti mesmo com vergonha e te voltas, apavorado, da imagem que vês refletida na superfície
da água. Quem é esse deboche de humanidade que te fita, com os olhos descorados de vergonha?


Onde está a graça dos teus modos, a beleza de tua figura, a rapidez de teus movimentos, a clareza
de tua mente, a eloqüência da tua língua? Quem roubou os teus bens? A identidade do ladrão é tua
conhecida, como é de mim?
Certa feita colocaste tua cabeça em um travesseiro de grama, no campo de teu pai e fitaste uma
catedral de nuvens, e soubeste que todo o ouro da Babilônia seria teu, com o tempo.
Certa feita leste em muitos livros e escreveste em muitas tábuas, convencido além de qualquer
dúvida de que toda a sabedoria de Salomão seria igualada e ultrapassada por ti.
E as estações transformaram-se em anos, até que tu reinasses supremo, em teu próprio jardim do
paraíso.
Lembras-te de quem implantou esses planos e sonhos e sementes de esperança em ti? Não podes
lembrar. Não tens recordação daquele momento, quando surgiste pela primeira vez no ventre de
tua mãe e coloquei minha mão em teu cenho macio. E do segredo que cochichei em tua pequena
orelha, quando leguei minhas bênçãos a ti?
Lembras-te do nosso segredo? Não podes lembrar. Os anos passados destruíram tua recordação,
pois te encheram o espírito de medo, dúvida, ansiedade, remorso, ódio, e onde essas feras habitam,
não há espaço para recordações alegres.


Não chores mais. Estou contigo...este momento é a linha divisória da tua vida. Tudo que se passou
antes não parece mais do que com este tempo em que dormiste dentro do ventre de tua mãe. O que
é passado morreu. Que os mortos sepultem os mortos. No dia de hoje, regressas dos mortos-vivos.
No dia de hoje, como Elias com o filho da viúva, eu me estendo sobre ti três vezes e voltas a viver.
No dia de hoje, como Elisha com o filho do shunamita, ponho minha boca sobre a tua, meus olhos
sobre os teus, minhas mãos sobre as tuas, e tua carne volta a aquecer-se.
No dia de hoje, como Jesus no túmulo de Lázaro, ordeno-te que saias, e tu sairás andando de tua
caverna do destino, afim de começar a vida nova. Este é o dia do teu nascimento. Esta é a tua nova
data de nascimento. Tua primeira vida, como uma peça de teatro, foi apenas ensaio. desta vez a
cortina subiu. Desta vez o mundo observa, espera para aplaudir. Desta vez não fracassarás. Acende
as tuas velas. Divide o teu bolo. Serve o vinho. Tu renascestes.
Como uma borboleta saída da crisálida, voarás...tão alto quanto quiseres e nem as vespas, nem

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